Conheça a Ana Maria de 30 anos, que desde adolescência tinha dor em todo abdome, tipo cólica e diarreia líquida 3-4 x no dia. Geralmente matinal e após almoço. A dor melhorava com a evacuação, piorava quando estava estressada e ansiosa, ou quando comia alimentos gordurosos.
Há 6 meses piorou após ter tido diarreia por Covid, onde o quadro se agravou e Ana passou a ter sensação de gases presos e distensão do abdome, o que comprometeu sua ida ao trabalho. Veio ao consultório com uma pilha de exames e muito ansiosa.
O que Ana Maria tem?
Esse quadro é bem típico da síndrome do intestino irritável (SII). Um distúrbio intestinal onde os principais sintomas são dor abdominal, tipo uma cólica e alterações do hábito intestinal.
Essa alteração pode ser na forma das fezes (amolecidas, líquidas ou até encaroçadas) e na frequência seja ela aumentada (diarreia) ou reduzida (prisão de ventre). Possui caráter crônico com períodos de crise e melhora. É limitante e angustiante para a maioria das pessoas interferindo nas relações sociais, familiares, de trabalho e na qualidade de vida.
Pode piorar em situações de estresse, alimentação rica em alguns produtos alimentícios (gordura e condimentados) e também simular intolerâncias alimentares. Pode ocorrer junto com outros distúrbios, como fibromialgia, cefaleia e lombalgia. Apesar de limitante é uma síndrome benigna, não há anormalidades estruturais identificáveis e nem mesmo predisposição ao câncer.
Como ocorre a SII e como diagnostica-la?
Na origem da SII há evidência de alteração da motilidade e hipersensibilidade intestinal com hiperatividade motora por até 3 horas depois de comer. Há desregulação no eixo cérebro-intestino e alterações psicológicas. A dor piora sintomas de ansiedade e depressão ou a depressão e ansiedade desencadeiam alterações intestinais (há transtornos emocionais em 80% dos casos). Ativação imune, inflamação e alteração da flora intestinal, há alteração da permeabilidade intestinal e liberação de citocinas inflamatórias. Situações de gastroenterite anterior pode ser um gatilho para a SII, por alterar a permeabilidade intestinal, muito frequente na Covid-19. Há redução de bactérias boas (Bifidobacterium e Lactobacillus) e aumento de ruins (Firmicutes e Bacteroides). Todos esses mecanismos devem ser abordados na estratégia terapêutica.
O diagnóstico é clínico, onde não existe um marcador específico para a SII. Ele se baseia no critério de Roma IV e a chave é uma boa relação médico e paciente. A dor é um sintoma fundamental e deve estar associada à evacuação e/ou ter alteração intestinal, presentes 1x por semana, por 3 meses nos últimos 6 meses. A escala de Bristol ajuda a identificar isso.
Os exames são para avaliar presença de anemia, função tireoidiana, marcadores inflamatórios e parasitológico de fezes. A colonoscopia pode ser necessária APENAS se tiver sinais de alerta (emagrecimento, sangramento, história familiar de câncer ou doença inflamatória intestinal, sintomas noturnos, >50 anos).
Existe tratamento?
Sim! O objetivo do tratamento irá se concentrar em aliviar sintomas e melhorar a qualidade de vida da pessoa. São fundamentais mudanças alimentares (evitar alimentos gordurosos e FODMAPs), atividade física, psicoterapia e medicamentos específicos para cada sintoma (desde antiespasmódicos, fibras, laxativos e moduladores centrais de dor como antidepressivos).
Tratar com certeza permitirá que a pessoa tenha uma vida social e familiar mais saudável e com menos sofrimento.